Guia rápido sobre cooperação internacional na recuperação de activos
Shane Nainappan, Senior Asset Recovery Specialist, Basel Institute on Governance
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O Encontro Internacional de Peritos sobre devolução de activos roubados na capital etíope de Adis Abeba, em Maio de 2019, no qual participei como representante do International Centre for Asset Recovery (ICAR) do Basel Institute, debruçou-se essencialmente sobre a importância da cooperação internacional e das lições aprendidas ao longo dos últimos anos.
Wedo Atto, Comissário Adjunto da Comissão Federal de Ética e Luta contra a Corrupção da Etiópia, iniciou a sua intervenção com as seguintes palavras: “A recuperação de activos é um processo difícil e trabalhoso, e a cooperação internacional é fundamental para se ter êxito na recuperação de activos roubados provenientes da corrupção”.
O que significa exactamente a cooperação internacional no contexto da recuperação de activos? Esta é uma questão muito mais abrangente do que muitas pessoas julgam. Levanta também outras questões, por exemplo, não só como devolver com mais rapidez um maior número de activos roubados aos países vítimas do crime, mas também como usar da melhor forma esses activos devolvidos para apoiar o desenvolvimento sustentável e reforçar os sistemas de justiça criminal.
A cooperação é algo mais do que vias formais
Existe a noção de que a “cooperação internacional” em matéria de investigação e casos de recuperação de activos tem a ver apenas com auxílio judiciário mútuo (AJM) - o processo formal de pedido de assistência a uma jurisdição estrangeira. Na prática, porém, há uma fase anterior neste processo que é frequentemente ignorada ou esquecida, e que é igualmente importante, se não mais ainda. Trata-se da assistência administrativa mútua (MAA), frequentemente descrita apenas como cooperação “informal”.
A cooperação informal é o pilar de quase todos os pedidos bem sucedidos de AJM. Sem esta primeira fase, poucos casos chegariam à fase formal do AJM.
Quase todos os casos de corrupção e peculato têm uma dimensão internacional considerável, quer se trate de contas bancárias no exterior e residências no estrangeiro, quer de uma cadeia de transacções transfronteiriça. Para dar início a uma cooperação internacional informal, basta um agente da autoridade ou um procurador pegar no telefone, ou enviar um e-mail ao seu homólogo noutra jurisdição, e solicitar assistência na verificação de informações para apoiar uma investigação criminal em curso.
As Unidades de Informação Financeira (UIF) já o fazem regularmente através do Grupo Egmont, tal como o meu colega Thierry Ravalomanda explicou no seu guia sobre o papel das UIF na recuperação de activos.
Tendo como ponto de partida a cooperação informal, a investigação pode avançar e progredir. No entanto, salvo algumas excepções, a informação partilhada através das redes de aplicação da lei ou do Grupo Egmont não pode ser utilizada em tribunal. Há também restrições quanto à assistência que pode ser solicitada. Por exemplo, não é possível pedir qualquer tipo de assistência que envolva o recurso a medidas coercivas como uma citação para comparecer em audiência.
Esta cooperação informal permite que a equipa de investigação tenha uma imagem mais clara e completa do caso. Ajuda-os a identificar quais as provas formais que podem ser obtidas no estrangeiro para levar o caso a tribunal com êxito e, em última análise, a recuperar todos os activos adquiridos ilegalmente através dos recursos limitados de que dispõem.
Normas internacionais sobre cooperação em matéria de luta contra a corrupção
Passando agora à análise dos canais mais formais de cooperação internacional em casos de corrupção e recuperação de activos:
As mais importantes convenções internacionais sobre corrupção e crime organizado transnacional são claras quanto à importância e necessidade de os signatários cooperarem e prestarem uma “assistência mútua tão ampla quanto possível”. Pode ler mais informação sobre a cooperação internacional dos signatários aqui nestas hiperligações:
- UN Convention Against Corruption (UNCAC)
- UN Convention Against Transnational Organized Crime (UNTOC)
Na prática, os funcionários deparam-se, muitas vezes, com a difícil questão de como cada Estado interpreta as convenções. As diferenças podem ser fundamentais, como um sistema de direito româno-germânico versus um sistema de direito anglo-saxónico, ou simplesmente haver diferença na interpretação de disposições específicas. A vontade de prestar assistência pode ser afectada pelas experiências de casos anteriores.
A diversidade das leis entre os vários países são outro obstáculo ao tipo de cooperação prevista pelas convenções. Por exemplo, a falta de “dupla criminalização” entre o Estado requerente e o Estado local. Nestes casos, são os elementos do crime que podem oferecer uma solução entre as duas partes, e é neste âmbito que os canais informais de cooperação podem fornecer os alicerces necessários para facilitar o diálogo.
Além disso, não devemos esquecer que uma jurisdição também pode recusar um pedido de assistência se considerar que a investigação ou as acusações formuladas contra o acusado têm motivações políticas ou que são uma violação dos direitos humanos fundamentais.
Acordos bilaterais para facilitar o intercâmbio
Com base na experiência dos últimos 15 anos em gestão de casos de recuperação de activos, o ICAR chegou à conclusão que é mais eficaz explorar as semelhanças, ao invés das diferenças, para aproximar duas jurisdições e facilitar a cooperação entre elas.
Fora do âmbito do quadro jurídico geral das convenções da ONU, as jurisdições podem também optar por assinar um acordo bilateral que estabeleça formalmente os termos da cooperação entre dois países. Existem muitos exemplos deste tipo. Para além de servirem de guião para a cooperação entre jurisdições, estes tratados bilaterais representam algo mais fundamental, nomeadamente um reconhecimento da compatibilidade, uma sintonia existente entre países e uma declaração de intenções para encontrar uma solução que seja reciprocamente benéfica.
Demonstra um interesse comum em combater o crime e devolver os proventos do crime às respectivas jurisdições prejudicadas.
FRACCK: uma plataforma positiva para a cooperação internacional?
Os participantes na reunião de Addis II debateram uma via alternativa de canalizar o espírito da UNCAC para um acordo prático que promova uma cooperação internacional positiva em matéria de recuperação de activos.
O Quadro para a Devolução de Activos provenientes de Corrupção e Crime no Quénia (Framework for the Return of Assets from Corruption and Crime in Keny – FRACCK), aprovado e assinado pelos Governos do Quénia, Jersey, Suíça e Reino Unido em 2018 com o apoio do ICAR, foi apelidado de “inovador” e “novo” por Brigitte Strobel-Shaw, Responsável pelo Sector de Combate à Corrupção e ao Crime Económico do UNODC.
Porquê? Bem, o FRACCK não só define boas práticas para a devolução dos activos roubados ao Quénia, como incentiva de forma decisiva a transparência e a responsabilização, proporcionando, ao mesmo tempo, uma plataforma de diálogo entre as partes para que se reúnam e discutam a questão da utilização dos activos devolvidos com vista a promover o desenvolvimento sustentável e beneficiar os cidadãos.
Este acordo representa uma mudança positiva no debate sobre os muitos desafios normalmente enfrentados quando as partes procuram devolver os proventos obtidos através da grande corrupção, como por exemplo atrasos e acordos ou divergências em torno do método de devolução e forma de utilização dos activos.
Os participantes na reunião de Addis II revelaram muita curiosidade e mostram-se interessados em saber como esta evolução poderá ser utilizada noutros cenários e jurisdições. Tal como os tratados bilaterais, também transmite uma poderosa mensagem de compromisso entre as partes, uma atitude positiva e uma determinação em cooperar o mais amplamente possível. Representa um grande passo em frente na promoção e demonstração da vontade política, reflectindo, assim, o espírito e a intenção dos textos originais da ONU.
Indo além dos tratados, convenções e acordos
No contexto das muitas convenções, tratados e acordos é fundamental assegurar a vontade política subjacente, uma vez que isso permitirá a existência de quadros jurídicos eficazes, tais como organismos de luta contra a corrupção e de aplicação da lei devidamente financiados e apoiados, trabalhando em conjunto com um ministério público independente, controlado por um sistema judiciário independente.
Nesta perspectiva, o objectivo da cooperação internacional em matéria de recuperação de activos é mais amplo do que a mera recuperação de activos que se encontram no estrangeiro, de forma mais rápida e fácil. Trata-se de aproveitar a oportunidade para converter os proventos da corrupção em fundos que vão reforçar e apoiar as infra-estruturas legais e políticas que, por sua vez, vão contribuir para prevenir que fenómenos como o da corrupção prejudiquem o país em primeiro lugar.
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