Crime financeiro relacionado com o comércio ilegal de vida selvagem
Gretta Fenner, Managing Director, Basel Institute on Governance
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Um número indeterminado de presas de elefante, cornos de rinoceronte, escamas de pangolim e outros produtos da vida selvagem - vivos e mortos - atravessam os oceanos em navios porta-contentores e voos de carga para serem utilizados na medicina tradicional, no artesanato e no comércio ilegal de animais de estimação. Árvores raras são abatidas em florestas antigas e expedidas a coberto de certificados falsos.
Ficam para trás carcaças abatidas dos últimos animais de muitas espécies, paisagens despojadas e desfiguradas, meios de subsistência legais minados pelas actividades criminosas e corrupção, e comunidades devastadas por redes do crime organizado.
O Basel Institute tem vindo a contribuir para o combate ao comércio ilegal de vida selvagem e aos impactos negativos causados por esta actividade nas comunidades, economias e biodiversidade, no contexto do crime financeiro. Este guia rápido permite conhecer a nossa abordagem e a forma como as nossas várias áreas de especialização se articulam para ajudar a resolver este complexo labirinto.
Qual a dimensão e o âmbito dos crimes contra a vida selvagem?
Um relatório do Banco Mundial de 2019 prevê que as actividades ilegais de abate de árvores, pesca e comércio de vida selvagem ascendam a 1 trilião de dólares americanos por ano. Estima-se que, em termos de volume global, o comércio ilegal de vida selvagem seja, por si só, o quarto ou quinto maior comércio ilegal. Os lucros são canalizados para os bolsos dos criminosos ou então são utilizados para alimentar insurreições.
Juntamente com outros crimes graves como o tráfico de droga e de seres humanos, contribui para aumentar os níveis de criminalidade, comprometendo a integridade do sistema financeiro internacional e do comércio global.
As consequências são suportadas pelo planeta e seus habitantes.
O que está a ser feito para deter os criminosos?
Muita coisa, mas não o suficiente. Presentemente, os esforços para combater o tráfico de animais selvagens incidem, sobretudo, na protecção dos animais, na captura dos caçadores furtivos e na redução da procura.
Por muito válidos que sejam estes esforços, não são suficientes para apanhar os que controlam as redes internacionais e que lucram com este tipo de comércio. Os caçadores furtivos são rapidamente substituídos por outros caçadores furtivos. Na prática, é impossível proteger cada animal individualmente, além de que não é, de todo, economicamente viável. Também não têm servido de muito para ajudar os países, comunidades e empresas a criar uma resistência sistémica ao tráfico de animais selvagens.
Qual a abordagem do Basel Institute?
Dito de forma simples: seguir o rasto do dinheiro.
O comércio ilegal de vida selvagem só é viável à escala mundial porque tem o apoio do crime financeiro e da corrupção. Os traficantes recorrem ao crime financeiro para custear as várias fases da cadeia de fornecimento do comércio ilegal de vida selvagem, incluindo, entre outros, o suborno dos funcionários e o branqueamento de capitais através dos sistemas financeiros internacionais. Utilizando técnicas de investigação financeira, cooperação internacional e informação dos sectores público e privado, é possível seguir o rasto do dinheiro para apanhar os criminosos de alto nível que estão no centro das redes de tráfico.
É possível eliminar o lucro confiscando os proventos e os instrumentos do crime – indo atrás do dinheiro, e não apenas dos criminosos.
Além disso, podem utilizar-se técnicas anti-corrupção comprovadas para colmatar as deficiências identificadas nos sectores público e privado, devido ao suborno e à fraude.
O combate ao tráfico de vida selvagem no âmbito do crime financeiro é amplamente reconhecido pela comunidade internacional como um obstáculo decisivo que precisa de ser vencido. Contudo, na prática, vencer esse obstáculo não é assim tão simples. O Basel Institute, com o seu historial de 17 anos de trabalho a nível mundial com entidades públicas e privadas na prevenção e combate à corrupção, ocupa uma posição privilegiada para o fazer.
O que é que isso representa na prática?
Em primeiro lugar, é crucial envolver o sector privado. Praticamente todos os produtos ilegais de vida selvagem no mundo inteiro são transportados em navios comerciais, aviões e camiões. Os pagamentos e proventos ilícitos circulam nos bancos comerciais e noutras instituições financeiras.
Ajudamos a desbloquear informações e acções eficazes do sector privado através dos Grupos de Trabalho (Taskforces) das áreas Financeira e de Transporte da organização United for Wildlife. Os Grupos de Trabalho, liderados pelo Duque de Cambridge e por Lord William Hague, estabelecem a ligação entre as empresas de transporte e instituições financeiras mais poderosas do mundo e os peritos no terreno e especialistas em matéria de aplicação da lei. O pessoal do Basel Institute tem sido fundamental para tornar esta iniciativa numa das mais eficazes e inovadoras do género. Actualmente, a nossa equipa de intelligence opera o Sistema de Partilha de Informação, o elemento central desta iniciativa, e os nossos peritos em Acção Colectiva promovem debates entre os seus membros a fim de redobrar esforços.
Também se está a trabalhar no sentido de reforçar as perspectivas comerciais das empresas nos sectores financeiro, dos transportes, entre outros, para fortalecerem as suas defesas contra os riscos do tráfico de vida selvagem e para que a enorme quantidade de dados subutilizados do sector privado seja aproveitada.
Em segundo lugar, quase todos os organismos de aplicação da lei encarregados de investigar e processar os crimes contra a vida selvagem precisam de aperfeiçoar, urgentemente, as suas competências nos domínios da investigação financeira, análise e técnicas de rastreio de activos. Existem também enormes lacunas ao nível da cooperação regional e internacional em matéria de recolha de provas, do alargamento das investigações a redes criminosas mais vastas e da acusação dos traficantes de vida selvagem de alto nível por crimes financeiros.
Os nossos especialistas em investigação de comércio ilegal de vida selvagem estão a dar formação a agentes especializados responsáveis pela aplicação da lei em todo o continente africano para ajudar a colmatar estas lacunas. No âmbito da sua missão, promovem a cooperação nas áreas de intelligence (recolha, tratamento e análise de informação) e de resolução de casos reais entre parceiros fidedignos da aplicação da lei, a nível regional e internacional.
Em terceiro lugar, precisamos de compreender melhor os verdadeiros motores e facilitadores do tráfico de animais selvagens nas comunidades locais, bem como a forma como as redes de tráfico funcionam e interagem com as economias formais e informais.
A nossa equipa de investigação está a realizar uma pesquisa sobre normas sociais relacionadas com o tráfico de animais selvagens na África Oriental. Em paralelo, os analistas de redes sociais e de informação estão a realizar pesquisas pioneiras para estabelecer teorias e mapear a forma como as redes criminosas de tráfico de animais selvagens operam e interagem com outras organizações transnacionais de tráfico e crime organizado.
Os agentes da autoridade, os decisores políticos e os investigadores irão beneficiar destes conhecimentos.
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